Aqui raramente escrevemos sobre política, mas hoje abrimos uma excepção já
que não vamos escrever sobre Timor, mas sim sobre Portugal. E ainda porque,
mais do que política em sentido estrito, trata-se de dissertar um pouco sobre os
limites à expressão de opiniões políticas em território
estrangeiro.
Vem este assunto a propósito da visita de Miguel Relvas a Timor-Leste e da
colocação da faixa da polémica.
Relvas veio em visita oficial a Díli para assinar um protocolo de
cooperação na área da comunicação social e participar nas comemorações do Dia
da Consulta Popular. Para recebê-lo, alguém mandou colocar uma faixa com os
dizeres “Vai estudar ó Relvas” numa das principais ruas de Díli, mesmo em frente
ao Hotel Timor, onde a sua comitiva ficou instalada. A propósito desta faixa
muito se disse e escreveu e agora que os ânimos já refrearam chegou a nossa
vez.
Primeiro, há que contextualizar. Miguel Relvas é o actual Ministro dos
Assuntos Parlamentares no governo de coligação PSD-CDS liderado por Pedro
Passos Coelho. Em Setembro de 2006, requereu a sua admissão à Universidade
Lusófona. Em Outubro de 2007, concluiu a licenciatura em Ciência Política e
Relações Internacionais. A Universidade ponderou a sua experiência profissional
e percurso académico e concedeu-lhe nada mais do que 32 equivalências, pelo que
o aluno teve apenas de fazer exames a quatro disciplinas e pôde concluir a
licenciatura num ano! Não há registos conhecidos doutro aluno a quem tenham
sido dadas tantas equivalências quer naquela, quer em qualquer outra
universidade. O caso cheira a esturro e deu origem a alguma contestação.
Segundo, há que esclarecer que esta não é a primeira vez que Miguel Relvas
recebe tal conselho. Já no Tour de França e na maratona dos Jogos Olímpicos de
Londres tinham surgido cartazes com a mesma mensagem.
Em nossa opinião, este gesto de protesto é simplesmente hilariante! É uma
forma de criticar pacificamente sem entrar em ofensas gratuitas, de demonstrar
que alguns Portugueses não esquecem e não pactuam com a desonestidade que
prolifera na nossa classe política (e já agora, na académica também). Tudo com
uma boa dose de humor! O conselho é sensato e a frase fica no ouvido!
Mas claro que as reacções divergiram e por aqui muitos foram aqueles que se
mostraram preocupados com o impacto desta acção junto dos timorenses e com o
desprestígio que é “lavar a roupa suja” fora de fronteiras (vozes às quais se
juntaram outras ainda mais ortodoxas, que exigiam uma investigação à identidade
do autor da brincadeira como se algum crime tivesse sido praticado).
Claro que concordamos que as críticas devem ser sobretudo feitas dentro de
fronteiras, mas não as territoriais e antes as da razoabilidade. É que sejamos claros, trafulhice é trafulhice, aqui ou em Lisboa, e
não vemos qualquer razão objectiva para reservar as acções de protesto para
“dentro de casa”. Há Portugueses espalhados por todo o mundo e também esses têm
o direito (o dever, diriamos) de expressar a sua opinião sobre o que se vai
passando em Portugal quando a oportunidade assim surge. Se é legítimo que
celebremos aqui, em território estrangeiro, o 10 de Junho, também tem de ser legítimo
que aqui demonstremos o nosso descontentamento político.
Para nós, o factor territorialidade não serve para desculpar falhas de
carácter nem de conduta. Não é por sermos Portugueses e estarmos fora de
Portugal que vamos fechar os olhos a estes esquemas que já cansam e fazer sorrisos
amarelos à passagem de personalidades públicas portuguesas (políticos ou não) que
só nos envergonham. Desculpem-nos esses Portugueses, mas não contem com o nosso
apoio nem aqui, nem em qualquer outro lado.
E também é verdade que a maioria dos timorenses que viu aquela faixa não
sequer sabe quem é Miguel Relvas, e por essa razão a mensagem não suscitou
qualquer reacção junto da população local. Em relação à minoria que sabe quem
ele é, ficou também a saber que há Portugueses que se envergonham das atitudes oportunistas
de alguns dos seus políticos e que manifestam a sua opinião de forma civilizada
e democrática, dentro e além fronteiras, sem necessidade de andar à pedrada.
Por todas estas razões, não temos dúvidas que o maior impacto da faixa foi
precisamente junto da comunidade portuguesa.
E para nós a mensagem é tão simples: queremos políticos com sentido de
causa pública e sobretudo com vergonha na cara (ser licenciado não é requisito)!
Todos os outros estão dispensados.
(E sim estamos a escrever isto dalém-fronteiras para quem nos quiser ler
porque o exercício da nossa liberdade de expressão não se confina (não se pode
confinar) aos limites de qualquer território nacional. Aos críticos pró-fronteiras deixamos uma questão final: quando partilham as vossas opiniões políticas num qualquer mural do Facebook acham que elas viajam até onde?)
|