domingo, 7 de outubro de 2012

Monte Ramelau

O Monte Ramelau, ou em dialecto mambai Foho Tatamailau (“monte avô de todos”), é a mais alta montanha da ilha de Timor e o ponto mais alto de Timor-Leste, com 2.963 m de altitude (no período  colonial foi o pico do império português). A montanha localiza-se aproximadamente 120 km a sul da capital Díli, no subdistrito de Hatu Builico, distrito de Ainaro.
Escalar até ao cume do Monte Ramelau foi o desafio mais difícil a que nos propusemos nas nossas voltas por Timor. A tradição entre os turistas é subir a tempo de assistir, lá em cima, ao nascer do sol. Em média, a subida leva entre 2h30 (para os mais bem preparados) e 3h30 (para os mais lentos). Existem duas alternativas principais para fazê-lo: uma é jantar e dormir em Hatu Builico, sair por volta das três da manhã e caminhar durante a noite até ao cume; a outra é começar a caminhada ao final da tarde, dormir numa cabana a vinte minutos do cume e acordar de madrugada para caminhar o percurso que falta. Optámos pela primeira mas não estamos certos de que tenha sido a melhor!
A coisa começou mal ainda antes de irmos dormir: o guia que o gerente da pousada nos tinha arranjado apareceu a dizer que, nessa noite, havia festa em Hatu Builico e que por essa razão não iria acompanhar-nos (qual é a probabilidade de escolhermos subir a montanha no dia em que há festa em Hatu Builico? Ou será que Hatu Builico é a aldeia festivaleira cá do sítio?). Ficámos logo doidos a ver o plano ir por água a baixo, mas o desistente tinha uma alternativa preparada: o primo Jaime de catorze anos faria a caminhada connosco. Bom, não gostámos nada da ideia de subir ao Ramelau durante a noite guiados por um puto, mas ambos garantiram que ele conhecia perfeitamente os trilhos e que fazia aquela caminhada semanalmente desde criança. Sem grandes alternativas (ou subíamos com o Jaime, ou não subíamos), lá aceitámos a troca e fomos dormir umas horinhas.
Às 2h30, levantámo-nos, equipámos com bons agasalhos, botas de caminhada e laternas e tomámos o pequeno-almoço. O Jaime aparece-nos de chinelos e enrolado num cobertor, acompanhado do amigo Ronaldo, de dez anos, que também decidiu ir. Disseram-nos que não precisavam de mais nada e que os pais não se importavam que eles subissem ao Ramelau sozinhos. Sinceramente, acreditámos.
Partimos então de carro até ao santuário do Ramelau, onde termina o caminho transitável por automóveis. Quando saímos do carro, deslumbrámo-nos com o céu mais estrelado que alguma vez vimos! Parecia mesmo que o espaço era habitado por milhões de pirilampos. A altitude e o facto de não existir qualquer luz artificial num raio de quilómetros faziam com que a luz da lua e da estrelas estivesse magnificamente intensa. Memorável!
Aquecemos um pouco e começamos a subir o primeiro troço, que consiste numa escadaria sem fim, cheios de determinação e a bom ritmo. O ritmo foi sendo reduzido gradualmente e no final da escadaria (ainda só estávamos a andar há vinte minutos) já a Joana estava de rastos. Parámos um pouco, sentámo-nos, bebemos água e recomeçámos. Daí a nada já outros membros do grupo acusavam o cansaço. Eram as pernas a latejar, o coração que parecia explodir, dor de burro, dores nos joelhos, quebras de açúcar, quebras de tensão...enfim, tornou-se evidente a nossa fraca forma física mas lá fomos continuando sempre a andar a um ritmo cada vez mais lento. Entre um gole de água e um pacote de açúcar, foram inúmeras as vezes em que pensámos desistir. A sério, houve momentos em que o mais sensato pareceu-nos ser sentarmo-nos numa pedra qualquer e ali esperarmos pelo regresso dos outros.
Se a primeira metade da subida abalou sobretudo a Joana, na segunda foi o Bruno que se foi abaixo. Progredíamos a um ritmo lentíssimo e, por muito que o Jaime dissesse que estávamos a ir bem e que já faltava pouco, podíamos jurar que íamos ser o grupo mais lento da história das subidas ao Ramelau e, pior ainda, aquele que não chegaria a tempo de ver o nascer do sol! Diga-se que o Jaime não vacilou uma única vez. De facto, aqueles olhos e aquelas pernas conheciam bem a montanha.
Foi a motivação mútua que nos fez continuar. Sempre que um parecia estoirado, o outro incentivava-o a continuar, a pôr literalmente um pé à frente do outro e então encontrámos a estratégia vencedora: andar dez minutos muito devagar e parar um a dois minutos para recuperar o fôlego. Nunca andámos mais do que aquilo, nem parámos mais do que isto. A subida continuamente íngreme (sem um único troço plano), o piso de pedra solta e o vento cada vez mais frio não perdoavam e tornavam tudo ainda mais difícil. Não tivesse sido esta entreajuda permanente e facto de nenhum de nós querer defraudar o outro e ambos teríamos desistido.
Mais decididos a cumprir o objectivo que nos tinha levado até ali, fomo-nos arrastando até chegarmos à tal cabana onde se pode pernoitar. O nosso guia benzeu-nos a todos, riscando uma cruz com terra na nossa testa. Disse-nos que estávamos a entrar em terra de espíritos e quem não cumprisse a tradição e mostrasse respeito pelos “antigos” não poderia continuar. É que, segundo a crença local, quando uma pessoa nativa daquela região morre, o seu espírito vai para o alto do Tatamailau e são os espíritos que guiam até ao cume os bons viajantes e desnorteiam aqueles que não os respeitam.
Foi ao chegarmos a este ponto que, pela primeira vez, nos apercebemos de que já estávamos a chegar, pois sabíamos que aquela cabana ficava apenas a vinte minutos do cume. Naquela altura, no entanto, vinte minutos a subir parecia-nos a continuação duma tortura eterna. Aproveitamos o descanso dado pela pausa e pelo único momento de terreno quase plano para olharmos para o relógio e qual não é a nossa surpresa quando vimos que afinal estávamos dentro da média! Todos aqueles que nos relataram subidas em passo rápido quase sem paragens não passam duns gabarolas, é o que é! A verdade é que nós, que fomos sempre em passo (muito) lento e parámos um sem número de vezes, estávamos a fazer o mesmo tempo que estes supostos “Pépes-rápidos”.
Com a motivação extra de estarmos “na recta da meta” sem atrasos, lá seguimos com o vento a dar agora uma forte ajuda, uma vez que subia a encosta da montanha connosco.
Por fim, quando a montanha parecia estar mesmo a acabar, ei-la: a estátua da santa no topo do Monte Ramelau. Conseguimos! Chegámos! Alegria! Cansaço! Preciso de me sentar! Olha, o sol ainda não nasceu! Não acredito que conseguimos! Em 2h45! Ainda bem que não desistimos! Nem acredito que conseguimos! (sim, pensámos e repetimos esta frase dezenas de vezes)
E assim foi, às 5h45 conquistámos o cume do Monte Ramelau. O frio era imenso, o vento inexplicável, forte, gelado, ensurdecedor. Estávamos bem agasalhados mas assim que tirávamos a mão do bolso ela parecia congelar e todos os movimentos se faziam em câmara-lenta. Ficámos ali sentados, orgulhosos, a contemplar a vista e o feito que acabaramos de alcançar. As núvens passavam por nós a uma velocidade incrível e, ao fim de algum tempo, o sol começava timidamente a aparecer. Ali permanecemos, imóveis, a ver, a sentir, a descansar, a fotografar. As cores do céu mudaram. O sol nasceu. De repente, tudo o que nos tinha levado até ali acabou. Já não havia motivo para permanecer e descemos, despedindo-nos da montanha, do esforço e do sacrifício. Ficou tudo lá em cima. E a descida foi bem mais fácil, claro.
À luz e ao calor do dia, pudemos então ver os trilhos por onde tínhamos passado, os precipícios aos quais milagrosamente todos escapámos, os vales, as ribeiras, as florestas destruídas por napalm que só agora começam a renascer, as rochas, os troncos, os prados. Descemos alegres, com a ajuda da gravidade e depressa chegámos ao carro.
Incrivelmente, nem o Jaime, nem o Ronaldo tinham fome ou sede, só calor. Nós, meninos da cidade mal-preparados para as agruras da montanha, tínhamos tudo, sobretudo exaustão. Em Hatu Builico, lanchámos, mudámos de roupa e partimos para Díli. A prova estava superada!
Se nos perguntarem se a subida valeu a pena, valeu. Se não a tivéssemos feito, ficariamos para sempre arrependidos a pensar como seria. Se nos perguntarem se pensamos em lá voltar, não (pelo menos enquanto nos lembramos de como esta custou). Se nos perguntarem se foi o nascer do sol mais bonito que vimos em Timor, foi lindo mas fica em pé de igualdade com o de Jaco, de Díli e outros tantos maravilhosos que já aqui vimos. Por isso, em nossa opinião, a tradição turística não faz assim tanto sentido. Para aqueles que têm uma boa preparação física, talvez seja indiferente, mas para todos os outros seria muito melhor passarem uma noite bem dormida em Hatu Builico e pela fresca das 6h ou 7h da manhã subir a montanha e poder apreciar a paisagem, sem a pressão de ter um momento certo para chegar lá acima e com a amenidade trazida pela luz e calor do dia. Seria um belíssimo passeio de montanha, sem dúvida, e certamente bem mais acessível à generalidade das pessoas.
Aqui ficam as fotografias para que possam apreciar a vista mais alta de Timor-Leste e julgar por vocês próprios!

Chegada às 5h45

Bem "embrulhada", a apreciar os efeitos da luz

Mar de núvens

O vermelho passa a laranja

 
O sol começa a aparecer

Joana e o sol a nascer no Ramelau, para mais tarde recordar

 
Bruno e a nossa estrela-maior


O Glorioso no Ramelau!

Homenagem dos Comandos

Homenagem dos Atiradores

"Portugal, alto império que o sol logo em nascendo vê primeiro"

Homenagem dos ciclistas (têm a nossa total admiração)

A Santa

Nasceu!

Cada vez maior e mais brilhante!

O sol já alto

A despedida da montanha

Jaime e Ronaldo, nova geração de guias do Ramelau